8.4.09

a voz de adília

De presente, aqui, Adília Lopes, poeta portuguesa, lendo seu poema Louvor do Lixo, do livro A mulher-a-dias.

um fragmento d'O Narrador

Queridos,
este texto foi enviado na íntegra em nosso e-mail coletivo, mas deixamos aqui um fragmento. Para refletir, pra fazer pensar.
Boa (re)leitura!


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A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica. Leskov começa A fraude com uma descrição de uma viagem de trem, na qual ouviu de um companheiro de viagem os episódios que vai narrar; ou pensa no enterro de Dostoievski, no qual travou conhecimento com a heroína de A propósito da Sonata de Kreuzer; ou evoca uma reunião num círculo de leitura, no qual soube dos fatos relatados em Homens interessantes. Assim, seus vestígios estão presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem as viveu, seja na qualidade de quem as relata.(...) Talvez ninguém tenha descrito melhor que Paul Valéry a imagem espiritual desse mundo de artífices, do qual provém o narrador. Falando das coisas perfeitas que se encontram na natureza, pérolas imaculadas, vinhos encorpados e maduros, criaturas realmente completas, ele as descreve como "o produto precioso de uma longa cadeia de causas semelhantes entre si". O acúmulo dessas causas só teria limites temporais quando fosse atingida a perfeição. "Antigamente o homem imitava essa paciência", prossegue Valéry. "Iluminuras, marfins profundamente entalhados; pedras duras, perfeitamente polidas e claramente gravadas; lacas e pinturas obtidas pela superposição de uma quantidade de camadas finas e translúcidas... - todas essas produções de uma indústria tenaz e virtuosística cessaram, e já passou o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado." Com efeito, o homem conseguiu abreviar até a narrativa. Assistimos em nossos dias ao nascimento da short story, que se emancipou da tradição oral e não mais permite essa lenta superposição de camadas finas e translúcidas, que representa a melhor imagem do processo pelo qual a narrativa perfeita vem à luz do dia, como coroamento das várias camadas constituídas pelas narrações sucessivas.
Walter Benjamin
Do livro: Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (Obras escolhidas, v. I), Brasiliense, 1987, SP.

6.4.09

dia 6/4

Estamos na reta final da primeira fase de nossa oficina. E hoje o dia pela manhã foi bom à beça. Bom porque, além do encontro, que é sempre muito especial, ouvimos muitas histórias de nossos colegas e percebemos o quanto os fios de causos estão se emaranhando e ganhando vida para além da gente. Porque são assim as histórias - elas nos atravessam e vivem para além de nós; elas são a nossa porção de eternidade.

5.4.09

Uma história pra pensar...



Numa pequena aldeia havia um homem muito simples, que trabalhava no campo e era conhecido por todos como “o Leiteiro”.

Ele não possuía nenhuma cultura ensinada por professores, não entendia de livros, mas sim da beleza dos fenômenos da natureza. Sua alma se incendiava de lirismo e ele conversava com Deus no meio das ervas, das flores das águas cristalinas dos riachos, das nuvens...

Um dia ele foi participar de um ritual num templo sagrado que estava repleto de santidade e misticismo. O jovem leiteiro não entendia de orações e nem as sabia pronunciar. Ele sentia Deus a sua maneira, no fundo de suas fibras intimas e também queria expressar a sua emoção.
De repente, quando todos estavam concentrados em suas orações, ouviu-se um forte assobio no templo. Todos interromperam as preces, confusos com essa profanação na casa de Deus, e imediatamente buscaram o culpado.

Quando perceberam que era O Leiteiro, todos se aproximaram para repreendê-lo. De repente ouve-se a voz do mestre da cerimônia:

- Não o toquem. Esse assobio foi a prece mais pura do dia de hoje. Graças ao seu assobio acessamos a morada de Deus.

Todos abaixaram a cabeça num silêncio meditativo.

- O rapaz chorando, fugiu para os campos infinitos. Não sabia que tinha inventado um novo canto, uma nova prece.

[Reconto de Célia Gomes, inspirado em conto tradicional de ensinamentos da Cabaláh]